Blog do Praetzel

Rui Costa vê modelo de gestão do futebol brasileiro próximo da extinção

Alexandre Praetzel

O blog entrevistou Rui Costa, ex-diretor executivo do Grêmio, sobre o modelo de gestão do futebol brasileiro, num momento onde ''profissionais'' ganham cada vez mais espaço nos vestiários e diretorias dos clubes. Leia abaixo.

Qual a importância de um executivo nas gestões amadoras do futebol brasileiro?

A existência do gestor profissional de futebol é uma necessidade em qualquer projeto de evolução e transformação do futebol brasileiro. A importância é a mesma que usufruem outros executivos do mercado e de empresas que possuem estruturas profissionais, quando os indicativos de performance, ainda que restritos, sejam analisados a partir de metas, planejamentos estratégicos e estudo detalhado dos concorrentes, cenários que se aplicam, plenamente, ao business futebol.

O modelo de gestão do futebol se esgotou no Brasil?

Aquele modelo mais arcaico, em que torcedores abnegados dispunham de parte do seu tempo para dedicar-se ao seu clube do coração, caminha para a extinção. As exigências do dia a dia, os parâmetros de atuação profissional e dedicação absoluta e em tempo integral, além da necessidade de construção de perfis profissionais cada vez mais abrangentes (gestores com conhecimentos administrativos, jurídicos, gestão de pessoas, tendências de mercado e monitoramento de concorrentes…), para citar alguns exemplos, impedem a busca de um nível de excelência no modelo do diretor amador. Isto não significa que os abnegados tenham o seu papel nos clubes exauridos, absolutamente não. Mas a gestão profissional precisa fazer parte do dia a dia do clube , de forma incontornável, coexistindo, com respeito à cada cenário de atuação, também com os dirigentes não profissionais, especialmente pelo modelo associativo que caracteriza os nossos clubes no Brasil.

Os jogadores respeitam dirigentes amadores no vestiário?

Definitivamente, o relacionamento exige sensibilidade, postura e leitura de cenários que não combinam com o lendário ''chute na porta do vestiário''. Atletas e profissionais que frequentam diariamente os espaços fisicos e institucionais de um clube valorizam cada vez mais a transparência, a cobrança leal e oportuna, o cumprimento das obrigações estabelecidas de parte a parte,  como em qualquer outra empresa. A ética nas relações e a coragem para os enfrentamentos que só o futebol pode apresentar não são exclusividade dos profissionais. Ocorre que a construção desta credibilidade é fruto de um convívio diário, de experimentações e desafios que só aqueles que vivem plenamente neste ambiente podem alcançar. Viver de forma harmônica gera confiança e proporciona ferramentas emocionais de gestão das pessoas que ali trabalham. Desta forma, qualquer um será respeitado.

Executivos devem ter participações em negociações que dão certo para um clube?

A contratação e dispensa de atletas é um dos muitos aspectos do trabalho de um executivo profissional e, embora seja o que mais mereça atenção, está inserida em rotinas e planejamentos muito mais amplos. Essas negociações, amplamente investigadas, costumam merecer ampla fiscalização, divulgação e monitoramento da imprensa e dos orgãos internos dos clubes. Entendo que os departamentos de futebol devam caminhar para a criação de departamentos efetivos e eficazes de compliancede tal forma que o modelo das negociações, seu parâmetros, nuances e comprometimentos (financeiros e desportivos) sejam tratados de forma transparente e ética. Neste contexto, dentro de uma ética empresarial e que se demonstre a criação de ativos para o clube, poderia se pensar na criação de mecanismos de remuneração por bônus para os executivos. No modelo atual, acredito que o assunto ainda é muito polêmico e ensejaria, sobretudo para o profissional beneficiado, muito mais problemas e questionamentos do que aplausos pela perfomance cumprida, ainda que demonstrável com exatidão. É algo para ser pensando no futuro, não no atual modelo.

Qual o momento de dispensar um treinador?

A demissão de um treinador sempre é a comprovação de algo que não deu certo e, principalmente, de que o projeto originalmente pensado e aplicado não obteve êxito (às vezes, sem que o treinador tenha sido decisivo para este eventual fracasso). Não acredito que exista o momento ideal para este desligamento, porque, salvo raríssimas exceções, é imprevisível (diferente de outras situações em que o profissional pode solicitar o seu desligamento por outras propostas, valorização profissional e etc). Acredito em trabalhos longevos, e creio que este é um grande diferencial na evolução e transformação do futebol brasileiro. O império dos resultados que, isoladamente, é um dos indicativos de sucesso, mas não o único, precisa ser revisto, relativizado e extinto. A história do futebol e de um treinador chamado Guardiola (que influenciou uma nova forma de praticar o futebol no mundo), poderia ser totalmente diferente se após as suas primeiras cinco partidas como treinador do time principal da Catalunha, vindo da base, ele tivesse sido despedido. Sim, com o Guardiola aconteceu algo parecido…

Qual teu legado positivo e negativo no Grêmio?

Legados são importantes, mas necessitam mais tempo para a sua concretização. Acredito, firmemente, que nos quase quatro anos de Grêmio, dentro de um rol de atribuições, exigências e projetos pouco conhecidos pelo torcedor, consegui, de forma coletiva, e com a formação de um equipe muito qualificada, agregar uma série de práticas, rotinas e modelos de gestão que estão em plena sintonia com os maiores clubes do Mundo (pude constatar isso in loco), quando fui recebido em grandes pôtencias financeiras do futebol europeu (Rui passou um mês na Europa visitando os principais clubes da Inglaterra e Itália, e esteve reunido com Ferran Soriano, autor do livro “A bola não entra por acaso”, que virou referência no futebol. A obra remete ao período em que Soriano foi diretor do Barcelona, em 2004, e conta a transformação do clube espanhol durante a gestão de Joan Laporta). Conseguimos manter o Grêmio como protagonista em competições intercontinentais, reformatamos um dos principais projetos de um clube global, como o departamento de formação de atletas e, neste contexto e na pesquisa e captação de mercados paralelos e internos, criamos condições de formar equipes competitivas com orçamentos dos mais variados, o que é sempre um grande desafio para qualquer gestor. Sem um detalhamento mais técnico, deixamos ativos no clube na ordem de 75 milhões de euros, e um modelo de utilização dos profissionais do departamento de futebol que mira a excelência e a história no clube, eis que todos os profissionais que estão no Grêmio hoje desempenharam suas atividades desde as categorias de base (o DNA do clube foi respeitado, de acordo com a tradição que o mesmo possui na formação de atletas e profisssionais em todos os níveis). É verdade que por outro lado, a meta não atendida foi a ausência de conquista de títulos. Isso impede uma cristalina visualização de tudo o que construímos nestes anos. Mas acredito que, mantido o projeto, de forma evolutiva e em constante aprimoramento dentro destes contextos que compartilhei aqui, a conquista esteja próxima. São muito anos sem títulos, independente de modelos e profissionais contratados que, evidentemente, não podem sonegar o que de positivo foi feito no passado, no presente e por certo será realizado no futuro.

Rui Costa tem 45 anos e ficou à frente do Grêmio durante três anos e meio.